6.5.13

Caminhos

Qual o tamanho do mistério que podemos suportar?
O mundo é regido por falsas certezas e por dores verdadeiras. Nos baseamos onde sentimos mais identificação. Nem sempre queremos sorrir, nem sempre chorar.
Decidimos o caminho da escolha por instinto. A forma que nos encontramos no momento definirá sempre os segundos seguintes, como uma caminhada em um bosque que nos oferece duas passagens.
Uma delas nos levará à beira do rio, com ventos frios, para enxergarmos a margem além da água que não podemos atingir.
A outra nos leva até a mata fechada, cheia de desvios, galhos secos na altura dos olhos, animais perigosos e pouca visão.
Nenhuma delas nos conduzirá a nada, a lugar nenhum, se não tivermos como abrir uma lareira ou uma canoa para nos conduzir mais longe.
A vida é um mistério raso. Profundo e raso. Podemos nos afogar ou nos enxergar.
Abrimos os olhos todos os dias sem conhecer o que há.
Andamos pelas ruas pensando que sabemos.
Não sabemos nada, a não ser a certeza do segundo seguinte, que nos concederá um passo a mais.
E passo a passo seguimos nossa desconhecida existência, para o nosso sempre.

29.4.13

Vida de passageiro de vida

Os passos tortos dos freios no estacionar. Fecha o livro e entra na multidão.Desce entre as pessoas com pressa de chegar. Corre sem olhar para lado algum para entrar no ônibus lotado de gente que vai.
Esquece a bolsa aberta e pega de volta o livro, se equilibra para ler. Entre frases e quebra-molas também se pode entender. Cada qual se entrete da maneira que der. Tem gente dormindo, com fones de ouvido, falando com a mãe, com o namorado. Gente falando com gente que só vê no amanhecer e só volta a ver quando o sono vem, deixando tempo para um abraço.
Nas curvas se equilibra, se segura pra não desabar. Os pés de motoristas estressados pesam para acelerar. Tudo tem horário pra anotar, naquele caderninho do fiscal.
Nos sinais os cobradores flertam com moças cansadas, sensíveis esperando um simples olhar. Esquecidas nos balcões de madeira boa enquanto o sol se mostra, escondendo rostos e aspirações.
Corre, passa e ultrapassa. Desvia de cão e buraco. Sobe o morro que faz o motor reclamar. Os faróis iluminam as faixas brancas no meio do cinza, que ficam para trás na vertigem veloz.
Levanta o leitor das lotações e aciona o sinal. Percebe um idoso repetindo o gesto, e fica sem entender a repetição, até reparar um pequeno dispositivo atrás das orelhas, que o faz ouvir o pouco que lhe basta perto do muito que nem nos importamos. Abre a porta barulhenta para deixar passar, quem passou o dia todo fingindo respirar, imaginando nas horas que terá no sofá, antes de cair em sono sem se importar, com o jornal ou com a fome que já nem mais grita, e acorda quando o narrador avisa que foi gol do adversário. Levanta, fuma e admira o nada na janela. Espera o travesseiro ser o recanto onde finalmente possa apagar, até tudo, feito um ciclo espinhoso, recomeçar.

19.4.13

Infinitos


Miragens de felicidade são coladas nos muros dos colégios. Os carros passam e deixam fumaça. Os sapos saltam nos pântanos úmidos das florestas livres. Um circuito pequeno de tempo relata aos autos da vida diversas manifestações de existência, simples ao olhar e altamente complexas pelas lentes que ampliam a ordenada sequencia microscópica. Somos seres gigantes povoados de milhões de miniaturas que nos moldam, desenvolvem e fazem respirar.
Páginas são passadas, livros são lidos. Mentes são construídas, novos caminhos no cérebro são abertos como clareiras em densas florestas. Toda confusão cede espaço ao conhecimento, ao raciocínio. Uma mistura de caos e virtudes adquiridas nos formam, dia após dia. Queremos escrever, queremos falar. Somos o que soamos ao longo dos minutos. Nada mais nos resume senão o infinito campo do ser.
Existimos. A frase se encerra assim. Não existe conceituação mais digna de reflexão. Até onde existiremos se dará por bases biológicas e sociais. Andamos sempre como vítimas sem resgate dos constantes sequestros, seja através dos governos, delinquentes ou de nós mesmos. Nos refugiamos de guerras que não lutamos.
Tudo o que sabemos é que somos tudo que sabemos. Somos livros em branco, infindáveis. Nossa história não deixa de ser escrita quando acaba a tinta. Por mais finitos que sejamos, somos eternos, e para sempre, seremos falados.

3.4.13

Da natureza

Circulam boatos de neve
Ao sul se pode notar
As rosas geladas que caem
Então sabe-se bem
Que o verão se foi ao sul
Atravessa mares e trópicos
Esquenta areias claras
O sol é presente ao hemisfério
As nuvens crescem e caem
Em gotas frescas na terra
Resfriando o veraneio tardar

25.3.13

Coragem


Desde os tempos do colegial era visto pelos colegas como alguém sem nenhuma vocação para o surpreendente. Perdia os dias limpando as pratarias da avó em troca de algumas moedas. Quando estava em casa, a mãe gostava sempre de ressaltar o quanto ele era vazio, ausente de qualquer vontade própria. Nas terapias escolares para definir a orientação profissional, os resultados eram divergentes, tendendo à coisa nenhuma. Nem os colegas e professores pensavam que ele seria coisa alguma.
Com os dias mais ociosos sem a escola, começou a ajudar o senhor da livraria, que lhe dava alguns vinténs por semana. De ausência pouco notada em casa, passava os dias na rua, tirando a neve de calçadas, lavando carros, fazendo compras e indo aos bancos. Não comprava comida, pois sempre alguém lhe oferecia. 
Foi assim durante os últimos meses do ano até o natal. Como já esperava, nenhum presente lhe foi dado. O pai foi para o bar na noite de véspera enquanto a mãe reunia na sala as viúvas para tomar chá e comer uvas. Ele foi pra rua trabalhar levando os assados que ficavam prontos na padaria.
Na manhã do primeiro dia do ano, pôs-se a pensar que tudo seria do mesmo jeito. E que nada podia fazer. Errado.
Talves os pais não soubessem do que ele havia juntado até então. Era uma quantia razoável, pois trabalhara bastante e não gastou uma moeda sequer. Como num impulso, pegou a bolsa que usava no colégio e colocou as roupas dobradas nela, junto com alguns documentos, dois livros e duas fotografias. Saiu de casa com a bolsa e todo dinheiro economizado e foi diretamente para a estação, sem saber o porquê. Comprou uma passagem para a capital e ficou esperando, sentado na ala de embarque, com as pernas trêmulas. O trem encostou, as portas se abriram e tudo o que fez foi correr para dentro sem olhar para trás, sem se deixar pensar. Se acomodou numa poltrona na janela, fechou os olhos, e quando o trem saiu foi-se embora com ele para onde não sabia o que ia ser. Só sabia que teve naquela manhã a coragem que todos julgavam que ele jamais teria. Deixou as desconfianças e o mundo para trás e foi em busca do desconhecido. Quando o trem passou pelo arco de rosas, que exaltava uma mensagem se despedindo da cidade, sentiu-se feliz e leve como jamais. Estava sem rumo, mas estava livre, e um homem livre pode ser o que quiser, basta coragem.

19.3.13

Desejo

Um cínico pode te dizer que já sabe o que fazer. Vai tirar as roupas coloridas do lugar, sem medo de se importar. Vai ter gente buscando fruta no pomar, gente levantando peso sem parar. Todos sonham com um lugar para ter e para acordar. Todos sonham acordar onde antes foram sonhar.
Já passei por ruas e desejei morar em janelas apertadas, do quinto andar. Passava em frente a repartições e pensava como seria trabalhar lá. O mundo distinto formado dentro de cada pedaço de espaço me fascinava.
Um mendigo quando passa por um restaurante deseja um prato de comida, quando passa pelo bar, deveria desejar um salgado, mas deseja uma dose que vai transformar sem mundo menos feio e seu frio menos trêmulo. Todos temos desejos que não podemos ter, mas que não podemos deixar de desejar.
Somos formados por desejos consequentes e inconsequentes. Não escolhemos querer, apenas queremos.
Um jovem que termina o colegial deseja a faculdade, para desejar a profissão, para desejar mais dinheiro para financiar mais desejos. Ninguém pode culpá-lo. Ele é fruto de si mesmo, fruto de suas vontades, e aquele que o julgar hipócrita será, pois tem tantos desejos e ambições quanto ele. Suprimos nossa necessidade de nos conformar com nossa situação momentânea com apontamentos inoportunos das possíveis falhas morais alheias. Nos justificamos quando estamos certos, e mais ainda quando erramos.
Tudo isso é humano, é nosso. Nem certo, nem errado. Somos um querer constante, comparações e criticas constantes. Criticar o outro por ser crítico não é redundante, é instinto. Somos caos.

17.3.13

Rotina.

Atento, em disparada, sigo sem olhar.
Todos os indícios de fuga se concretizaram.
Já passa das oito.
Nenhum carro ainda veio buscar as caixas.
A música do bar do outro lado da avenida é legal.
E um céu que parecia azul já beira o cinzento.
Os refúgios tem suas portas abertas.
Encarcerados fogem para onde enxergam.
Não sabem onde estão, mas fogem.
A polícia fez o boletim, e liberou o acusado.
Na lareira os documentos promovem brasa.
Na chaleira a água quente exala cheiro de nada.
Na xícara folhas tem destino triste.
Na TV um filme de 1946.
No sofá ninguém assiste.
O carro passou e buscou as caixas.
As vítimas voltaram para seus cativeiros.
O chá está pronto.
O filme ainda não terminou.

16.3.13

Eu já tive um jardim

Camila caminhava pelo morro da rua do Padre. Descia correndo as calçadas traçadas de grama e cimento. Esqueceu as chaves e se aborreceu pois teria de novo que gritar para que sua mãe abrisse o portão, mas poucos segundos apenas a incomodaram com isso.A chuva de agora pouco desenhava corredeiras em miniaturas pelos cantos da ladeira. Uma folha grande descia como uma canoa em cachoeiras. Talvez houvessem formigas fazendo papel de amantes de vida perigosa.
Queria ir até a padaria, e estava quase chegando. Mas uma visão a perturbou. Do outro lado da rua, deitada em um muro de chapisco, estava uma mulher. Roupas sujas, cabelo molhado e triste, lia um jornal que tinha servido de cobertor na madrugada, e agora estava molhado do temporal de antes. Decidiu sem perceber que atravessaria a rua. Se aproximou vagarosamente e perguntou à mulher se ela gostaria de um pão. Ainda terminando uma frase de uma reportagem, a mendiga finalmente deu atenção para a jovem, bem apessoada e perfumada logo pela manhã que se apresentava a sua frente. Sem responder a nada, confessou para a menina que seu nome era Rita.
Camila reiterou o pedido, e ouviu uma negativa.
Rita disse que, se tal bondade houvesse no coração que trouxesse uma dose dupla de café quente.
Sem esperar mais, Camila entrou na padaria e voltou com duas sacolas que levaria para casa, e um copo de café grande, saindo fumaça. Entregou para Rita.
A mulher agradeceu, e desejou bom dia para Camila.
Apesar da menção de sair, ela retornou e, não resistindo, perguntou a mulher porque ela estava alí, naquela situação. Rita interrompeu um belo gole de café e respondeu, com simpatia:
- Nem sempre estamos onde queremos, querida. Eu tinha família, um jardim e uma padaria para comprar pão. Mas também tive o poder da escolha, e as que fiz me trouxeram para essa calçada, ou para essas ruas, onde vivo já há três anos. Não vou perder meu tempo te explicando o que houve pois daqui a pouco recebo um pão com manteiga no bar da rua lá do alto, e muito menos desperdiçar o seu, você sequer ainda tem opções para escolher. Volte para sua casa, tome seu café e também tome as decisões certas.
Camila voltou para casa em passos rápidos, pois uma nova onda de chuva se anunciava. Não parou de pensar por nenhum segundo nas escolhas de Rita. E dali em diante, passou a prestar muito mais atenção nas suas. Percebeu que a vida nada mais é do que o resultado de decisões, e que isso formava, todos os dias, advogados, políticos e moradores de rua.

13.3.13

Mera diferença


Não acredito que tenhamos que nos adaptar a alguma coisa ruim, passageira. Para mim isso não envolve adaptação. É melhor colocado como algo que devamos suportar.
Pensando nisso hoje (com motivos para chegar a essa linha de pensamento) percebi que podemos nos adaptar a uma perda, a uma dor constante, a um uso rotineiro, como óculos, cadeira de rodas, pois são coisas incrustadas em nossa vida, na qual seja o que for não poderemos simplesmente nos livrarmos delas.
Vizinhos chatos, chefes odiosos, colegas de trabalho inúteis e causadores de transtorno são meros ventos empoeirados que passam, e vão embora. Nós só temos de fechar os olhos e esperar a poeira se dissipar, não sendo necessário nos adaptarmos a ela.
Esta é a melhor forma de tratar das coisas que povoam nosso cotidiano recheado de receios, medos e inseguranças. Temos de ter a consciência de que o que não queremos para nossa vida, é simplesmente passageiro, se vai.
Se enxergássemos mais desta forma sofreríamos menos, porém a ansiedade de transformar o agora nos agonia, pois não é humano querer o depois, e se contentar com isso. Por mais que tenhamos uma certeza de um futuro mais acolhedor e seguro, nos apegamos ao amargo e sempre instável presente.
É o que somos. Sem mais.

9.3.13

Páginas de nós


Miragens de felicidade são coladas nos muros dos colégios. Os carros passam e deixam fumaça. Os sapos saltam nos pântanos úmidos das florestas livres. Um circuito pequeno de tempo relata aos autos da vida diversas manifestações de existência, simples ao olhar e altamente complexas pelas lentes que ampliam a ordenada sequencia microscópica. Somos seres gigantes povoados de milhões de miniaturas que nos moldam, desenvolvem e fazem respirar.
Páginas são passadas, livros são lidos. Mentes são construídas, novos caminhos no cérebro são abertos como clareiras em densas florestas. Toda confusão cede espaço ao conhecimento, ao raciocínio. Uma mistura de caos e virtudes adquiridas nos formam, dia após dia. Queremos escrever, queremos falar. Somos o que soamos ao longo dos minutos. Nada mais nos resume senão o infinito campo do ser.
Existimos. A frase se encerra assim. Não existe conceituação mais digna de reflexão. Até onde existiremos se dará por bases biológicas e sociais. Andamos sempre como vítimas sem resgate dos constantes sequestros, seja através dos governos, delinquentes ou de nós mesmos. Nos refugiamos de guerras que não lutamos.
Tudo o que sabemos é que somos tudo que sabemos. Somos livros em branco, infindáveis. Nossa história não deixa de ser escrita quando acaba a tinta. Por mais finitos que sejamos, somos eternos, e para sempre, seremos falados.